quarta-feira, 24 de abril de 2013

Os brasileiros em Cannes 2013

Os dois curtas-metragens brasileiros selecionados para mostras paralelas do 66º Festival de Cannes – o paranaense Pátio, de Aly Muritiba, estará na Semana da Crítica; o mineiro Pouco Mais de um Mês, de André Novais Oliveira, participa da Quinzena dos Realizadores – são, ao menos até agora, os únicos representantes do País no maior evento de cinema do mundo. Numa edição do festival quase sem nenhuma presença latina, ambos têm em sua gênese a inspiração de experiências estritamente pessoais e o fato de terem sido vistos por olheiros de Cannes em janeiro, na 16ª Mostra de Tiradentes, onde foram apresentados na seção Foco, a principal vitrine de curtas do festival
mineiro.

Aly Muritiba (à direita), nascido na Bahia e radicado no Paraná, trabalhou por sete anos como agente penitenciário na Casa de Custódia de São José dos Pinhais, na região metropolitana de Curitiba. Em paralelo, cursou cinema na capital. A junção das duas atividades lhe deu a ideia de realizar uma trilogia de filmes ambientada na cadeia e da qual Pátio é a segunda parte. “Essa imersão, de ter passado tanto tempo em contato com aquele mundo (da prisão), me fez refletir sobre o sentido, ou melhor, a falta de sentido, do sistema penal e no quanto quem está lá dentro, seja preso ou funcionário, é visto com enorme preconceito”, diz o diretor.

Pátio, de linguagem minimalista, fixa a câmera diante de uma grade onde se consegue ver o dia de um grupo de presos num momento de recreação. Eles conversam, jogam bola, falam de suas vidas e famílias, tentam fazer o tempo passar – até que a noite vem e os encaminha de volta às celas. “Busquei uma abordagem, digamos, mais humanizada do sistema penitenciário brasileiro, ao ser visto de dentro para fora”, afirma o cineasta.


A primeira parte da trilogia de Muritiba, A Fábrica, foi lançada em 2011, percorreu mais de 100
festivais em todos os continentes e ganhou 62 prêmios mundo afora. Pátio venceu, no começo
de abril, o troféu de melhor curta do É Tudo Verdade, em São Paulo. O desfecho da trilogia está filmado e montado. Será um longa-metragem, intitulado A Gente. Com ele, o realizador vai completar a trinca de pontos de vista do sistema prisional – os familiares, os presos e os agentes penitenciários.

No caso de Pouco Mais de um Mês, a fagulha para o filme veio de um momento de intimidade entre André Novais (à esquerda) – diretor, roteirista, produtor e ator do curta – e a namorada, Elida Silpe. Numa manhã em que acordaram juntos no apartamento dela, a moça mostrou ao rapaz um fascinante fenômeno ótico de “câmara escura” em seu quarto, no terceiro andar do prédio: ao atravessar um furo na cortina fechada da janela, o reflexo da luz do sol gerava, no teto, uma imagem nítida e invertida da rua. “Quando vi aquilo pela primeira vez, tive imediatamente a vontade de fazer um filme a respeito”, relembra o cineasta.

Em menos de 20 dias, André escreveu o roteiro sobre um casal vivendo a insegurança do começo de uma relação amorosa. Como ele e Elida viviam momento similar, o autor sugeriu à recém-namorada que ambos atuassem no filme, mesmo sem formação profissional como intérpretes. Apesar de parecer, Pouco Mais de um Mês não chega a ser um filme autobiográfico. “Inventei aquela situação entre dois personagens”, revela. Ao realizador, interessava transmitir o naturalismo do instante, o que lhe permitiu assumir a influência do iraniano Abbas Kiarostami e do britânico Mike Leigh.

Filmado num único sábado, em outubro do ano passado, e montado em quatro dias, Pouco Mais de um Mês guarda apenas dois elementos efetivamente vindos da vida real de André e Elida: a “câmara  escura”, que André conseguiu filmar com o diretor de fotografia Gabriel Martins, seu sócio na produtora Filmes de Plástico (junto com Maurílio Martins e Thiago Macêdo); e um monólogo em que ele narra, com voz off, como conheceu Elida durante a mostra Indie, em Belo Horizonte.

* Íntegra de matéria parcialmente publicada no Estado de S. Paulo no dia 24.4.2013.

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