sábado, 15 de setembro de 2012

Entrevista: Gonçalo Tocha

"É na Terra não É na Lua", do português Gonçalo Tocha, foi exibido no festival É Tudo Verdade deste ano. Em seu segundo longa-metragem, Tocha faz uma viagem sensorial e quase mística à ilha do Corvo, localizada nos Açores. "Ele e a equipe se instalam por lá e convivem por um longo tempo com seu meio milhar de habitantes. O filme que gravam é uma espécie de diário de bordo, em que a descoberta de um mundo isolado se faz a partir de seus reflexos numa subjetividade", destaca Amir Labaki, fundador e curador do festival. "São três horas absolutamente hipnóticas".

Leia abaixo uma conversa com Gonçalo Tocha, realizada por e-mail, sobre "É na Terra não É na Lua".

A partir de quais interesses surgiu a proposta de "É na Terra não É na Lua"? Surgiu da minha atracção pelo imaginário das ilhas, pela paixão que tenho com o arquipélago dos Açores (terra de família e memória de infância), do desejo de conhecer e descobrir a ilha mais afastada e pequena, da vontade de estar no meio do mar e na sequência do meu primeiro filme, o "Balaou" (2007), filmado a bordo de um veleiro ao largo da ilha maior dos Açores, S.Miguel.

Em que medida a experiência de ir até a ilha do Corvo foi se ajustando ao seu modo de filmar, de captar imagens e de documentar aquele espaço? Fui-me transmudando e influenciando na forma de viver e estar naquela ilha. Deixei que tudo pudesse influenciar a minha forma de filmar, de modo a que surgisse uma coisa nova entre mim, a ilha e os seus habitantes. A rodagem demorou perto de dois anos, entre idas e vindas. No meio desse tempo, tudo se foi adensando e alterando: as histórias, os mitos, a minha entrada neste microcosmo e, no final, a minha condição de habitante temporário da ilha.

O que foi mais marcante ao ter o filme pronto? O que mais me surpreendeu foi o quão podemos nos afastar da energia inicial que nos leva a começar um filme e do longo caminho que tive de fazer, fora da ilha, para a ela voltar e a este impulso inicial e supremo de descobrir as coisas do mundo pela primeira vez. Nisto, a montagem pode ser a nossa perdição. Para mim, não deveríamos falar de montagem de filme. Só há reorganização e sublimação da tua experiência prática e cinematográfica de rodagem.

Tenho a impressão de que existe uma visão quase "cósmica" da natureza na sua abordagem, algo próximo dos filmes de Terrence Malick e de Michael Cimino, que se apropriam de maneira muito forte dos espaços onde filmam. Ainda que goste, não são os meus autores de referência. Em todo o caso, eles têm uma dimensão panteísta que me interessa muito. O espaço onde vais filmar é tudo, o tal espaço fundador com que sonhaste, a que se junta o máximo tempo possível que tiveres para lá habitar. Os temas, ou assuntos, podem ser ratoeiras de um filme, mas o espaço é a sua verdadeira trama. A partir daí, tudo pode acontecer: as nuvens que passam, a onda que sobe o cais, o som da discoteca no meio da noite, o bezerro que acaba de nascer...

No Brasil, o circuito de documentários é restrito, apesar da grande produção. Em Portugal, existem muitos documentaristas em atividade? Eles conseguem exibir seus filmes? Em Portugal é capaz de haver, neste momento, mais pessoas a fazer documentário do que ficção. Isto porque os apoios para fazer filmes são mínimos, há cada vez menos, e algumas formas de documentário permitem-te ir à aventura com uma câmara, quase sozinho. Houve um grande "boom" de documentaristas portugueses a partir de meados dos anos 1990 e, a partir daí, tudo mudou. Há uma energia vital nos realizadores em que uns estimulam os outros. Em todo o caso, à quantidade não corresponde necessariamente a força dos filmes. Os casos de documentários portugueses de referência que inovaram o género vieram de cineastas que partem da ficção (Pedro Costa e Miguel Gomes). Exibir o filme comercialmente em sala é toda uma outra questão. O cinema norte-americano continua a monopolizar 95% das salas.

*Publicado em "O Tempo" em 28.8.2012

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